“Esses dados não fazem sentido!”

Interestelar , de Christopher Nolan

   Sabemos que a percepção do crível, seja qual for o acontecimento que se passe no écran, torna o espectador sua testemunha e participante nele. O observador, mesmo tendo consciência do caráter inverossímil do que se desenrola diante de si, vive-o emocionalmente como acontecimento real. Desconsiderar isso é cair no erro grave de ignorar que o cinema é sempre presente, ainda que sua narrativa possua um sonho que remeta ao passado e uma viagem que nos coloque no futuro. Com isso, a sensação de estar perdido em Interestelar vai além do isolamento dos personagens no espaço: o motivo da odisséia de quase três horas de filme parece ser a busca incessante pelo efeito que se intenciona, mas nunca é alcançado.

   A câmera, narradora soberana e dona dos nossos olhos, quando nas mãos de Christopher Nolan é de uma categoria ímpar, pela maneira com que consegue nos dar toda a noção de campo, pelas variáveis de plano detalhe para plano geral que resultam e deságuam na nossa incorporação no espaço, deixando o espectador emocionalmente ligado a situação. A capacidade de narrar com o principal signo é inquestionável em Nolan, assim como o trabalho sempre maestro de Hans Zimmer na trilha sonora. Entretanto, Interestelar se perde no roteiro, na busca da profundidade da história, entregando alguns momentos esquecíveis pela futilidade, outros pela vergonha que são.

   Tão claro quanto o ato de situar o espectador com as imagens são as explicações narrativas. Porém, cada uma delas expõe dois resultados completamente diferentes: tornar-se coerente pelas teorias físicas referenciadas ou coesas pelas explanações intrínsecas ao roteiro não deve ganhar uma tomada extra para deixar claro para o espectador sobre o que estão citando. Menosprezar a compreensão do público é tirar a sua capacidade de interação com a qualidade única de interpretar uma obra de arte, aniquilando sua abstração. Quão desgraçada seria a explicação de um quadro nas costas de cada pintura.  

       O desastre só não é ainda maior pela construção do núcleo familiar, única em alcançar um grau de subjetividade, sendo resultante da boa introdução da obra somada ao melhor grupo de atuações da mesma. Fora isso, a união de Coop com os agentes da NASA é dona de uma artificialidade escrachada: a relação tão íntima dentre pessoas desconhecidas, que se encontraram da forma mais patética possível e que responsabilizam o rapaz para o “simples” ato de comandar uma viagem ao espaço. Além disso, e ainda de maneira mais descarada, é o modo óbvio como alguns personagens aparecem na tela com a morte certa e escrita na testa, como nos slashers movies de qualquer ano da história no cinema. Matt Damon se sujeitando a simplesmente ser jogado num filme que já se encontrava perdido e protagonizar uma patética briga de deixar o espectador na confusão do riso ou do choro.

    O desfecho de Interestelar se torna o clímax da obra, assim como o ápice da forma Lost in Space que o filme chega. Cooper mergulha em uma singularidade emergida em uma dimensão alternativa, que ilustra o conceito de uma espécie de elasticidade do tempo, semelhante a que Kubrick já nos levou ou que já foi modelada nas mais conhecidas histórias de Jorge Luis Borges. O autor da Obra-mestra Batman- O Cavaleiro das Trevas se limita ao vislumbre técnico das imagens, sabendo que o seu próprio currículo e um filme de caráter visionário exigem muito mais do que o simples agrado aos olhos, coisas que até indivíduos do tipo Michael Bay conseguem. No mais, percebe-se que sobram vestígios de uma voz que ecoa em nossa mente repetidamente: "Esses dados também não fazem sentido!" 


                                                                                                                                     ロロ

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