A maldade construída no ventre
(2011)
Ao assistir esta obra de Lynne Ramsay a vontade de conhecer mais da diretora me atingiu e assim fez-me voltar em 1999 para ver “Ratcatcher”, seu primeiro longa, e depois em 2002 para ver “O Romance de Morvern Callar”, seu último trabalho. Sempre entrelaçada a problemas familiares anexados a tragédias pessoais, aqui a diretora adapta o livro “We need to talk about Kevin” de Lionel Shriver e nos trás a raridade do tema na relação da mãe com um filho na conseqüência da rejeição no ventre e é aonde chegamos à conclusão que, ao invés de falarmos de Kevin, aqui na verdade nós precisamos falar sobre Eva.
Em todos os trabalhos, Lynne Ramsay apresenta protagonistas que já estão numa situação psicológica prejudicada e aqui não é diferente, desde que vemos Eva ( Tilda Swinton) alienada a loucura da festa da “tomatina” até percebermos que possuía um relacionamento que dava problemas ao seu marido Franklin (John C. Reilly) que ligava a sua procura. Depois na euforia do sexo entre os dois, a mulher fora de si se torna incapaz de entender o que seu marido queria dizer com “Você tem certeza disso?”. Um sexo sem prevenção. A câmera foca o relógio: Meia noite e um. Novo dia. Kevin, numa imprudência, está feito.
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Com isso, vamos ver que a introdução do roteiro procura nos dirigir ao princípio de como Kevin era um filho imprevisto e com isso indesejável. Eva sofre pelo acidente da gravidez, repudia a sua e a barriga das demais grávidas. O pedido constante da enfermeira para com ela no parto dizendo “Eva, não resista!” é sinônimo de que prefere à constante dor a infelicidade de ser mãe. E assim, a narrativa nas mãos de Lenny vai começar a percorrer o caminho da causa (O que a mãe passou para o filho) e a conseqüência (O que o filho passará para a mãe).
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Evitando assim qualquer hipótese de proximidade com sua mãe, por mais que lhe dê falsas esperanças, Kevin na infância ( Jasper Newell ), parece onisciente quanto aos pensamentos de Eva e até mesmo de toda sua história. Parece saber que foi rejeitado e quer vingança usando de uma racionalidade que vai além de sua idade para descontar daquilo que não recebeu no ventre. Kevin não se trata de um Damien de “A Profecia”. Ele é “natural”. Quando jovem (Ezra Miller) dá uma progressão viciante a toda essa questão de não dar paz e criar situações para surpreender a mãe do que ele é capaz, com uma personalidade que em seu interior julga existir por causa dela.
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Parece muito falar sobre Eva e Kevin, mas ainda é pouco, caro leitor. O trabalho de personagem aqui estabelecido por Ramsay é à base de todas as forças de seu trabalho, levando a qualquer outro quesito desempenhar suas funções através daquilo que cada figura é no filme. As contínuas utilizações da cor vermelha para demarcar as lembranças de Eva dão o tom da fotografia. A posição da câmera muita vezes foca a família numa mesma cena, com os personagens em distâncias coerentes com a proximidade espiritual de cada membro (basta olhar os lugares que cada um ocupa na mesa, com Kevin ao centro) e também vemos que por mais conflituosa que seja a relação de mãe e filho ainda se encontram numa semelhança física intrigante (como na cena do corte abrupto em que Eva mergulha o rosto na água e depois nos deparamos com o rosto de Kevin, na mesma ação - imagem ao lado) e de gênero (Quando o próprio Kevin diz que puxou a mãe - imagem título).
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Ramsay acredita na capacidade de dedução do espectador. Gosta de focar os objetos para estabelecer um diálogo conosco: uma delas ocorre na agência de viagens onde Eva consegue emprego, com funcionários caricatos e ambientes de aparência desgastada. Na cena, há um cartaz escrito “Is for Lovers” em que o vento incomoda a todo o momento a palavra “Lovers”, numa demonstração que as pessoas que estão ali pouco vivem a expressão. Além disso, a diretora gosta de focar as feições, passear com a câmera nos gestos físicos, nas ações sem palavras, mas capaz de gerar-nos qualquer tipo de sentimento (a cena em que Kevin mastiga uma fruta no café é irritante).
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E toda essa bagagem pesada de um pesadelo vivido por uma mãe não chegaria até nós se não fosse por Tilda Swinton (Ignorada no Oscar) que nessa característica da diretora de manter o foco nas expressões se sai mais do que bem no difícil papel que recebeu. A atriz consegue manter o estado apocalíptico da vida de Eva, da culpabilidade, sem esperanças de renascimento, de predominante passividade as conseqüências da tragédia. A diretora Lenny Ramsay consegue sua maior obra, sendo desconfortável, tenso, pessimista, mas que não nos impede de saborear um bom trabalho, principalmente por causa do desempenho devastador de sua protagonista.
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ロロロロ (Filme Ótimo)