Amor ?


Amor, 2013
de Michael Haneke

As premissas interpretativas do título da última obra de Haneke estão importantemente ligadas ao tom em que se lê a palavra “Amor”. Se o modo da leitura vai ao encontro de seu significante, ou seja, puro e sublime, o espectador entrará na armadilha que o diretor põe à mente de quem pensou que o artista aqui usaria da exploração casta do sentimento. O filme pode ser aparentemente clássico, mas não em sua estética. Aproxima do romantismo, mas está grudado ao realismo. Parece sentimental, mas é puro instinto. Aqui a palavra “Amor” é isolada, ambígua, incerta e aparece para Michael Haneke como alguém que, na escolha de dois caminhos, escolhe o mais doloroso.
.
Não é nenhuma surpresa que o diretor alemão de filmes como "A Fita Branca" e "Funny Games", pouparia todo sentimentalismo. O que é notável é a compaixão, ainda que de olhos claros, quase estéreis, com o qual Haneke e seus atores infundem os personagens.  Sendo assim, a narrativa emplacaria uma história conjugal, num ambiente inóspito vivido no plano da realidade, trazendo ao abstrato que embute o sentimento a dose de realismo necessário.
.
Quase todo o filme se passa apenas entre Georges e Anne em seu apartamento, porque suas vidas têm sido reduzidas a isso: duas pessoas cujas almas estão tão entrelaçadas que a queda de um leva a de ambos. Efeito dominó que parece fazer um vilão do outro. Não há dúvida de que Georges vai dedicar-se a Anne. A questão é como e a maneira que predomina é o romântico forçado, não sendo bonito. Ele é, na verdade, incômodo. O particular do lado extremo, o pior da equação. Fazendo “A Professora de Piano” parecer a mais lírica das histórias de amor.
.
Mediante a realidade desconcertante do casal e o nítido desconforto e cansaço, que vai tomando conta do personagem de Jean-Louis Trintignan, como Georges, ele se mostra desacreditado, cansado, desde o começo do longa. A recusa de ajuda é ausência de fé, o peso da máscara de qualquer otimismo patente. Existe uma tentativa em tratar a situação precária de Anne com total naturalidade e atender suas necessidades tranquilamente, até alcançar a ocasião de encarar o fato sem afetar o emocional de alguém. A causa é impossível, mas o disfarce é válido.
.
Sua filha descarta a máscara. Eva (Isabelle Huppert, numa presença que beira o comercial) aumenta a inquietação de seu pai, trazendo junto consigo um desequilíbrio que ele luta para conter a todo instante. É um espírito contrário a tudo. Ela expõe o pessimismo óbvio que ele prefere manter em silêncio. Ao que ele responde que a sua atenção é de nenhum uso para ele. Toda preocupação aqui, afinal, é vã.
.
Falando sobre o silêncio, este é um dos personagens em “Amor”. Talvez o vilão. Presente nas entrelinhas dos diálogos que sempre apresentam um intervalo relativamente grande entre uma fala e outra. É possível detectar como o filme tende a ir ficando mudo, após identificar que a dinâmica da obra passa a acompanhar o ritmo da idade de seus protagonistas. Além das sequências longas que tornam a aura ainda mais densa, pesada, carregada pela fragilidade que evapora das figuras de Haneke. A dinâmica do filme curiosamente está nas pausas: Anne, num espasmo, paralisa e nós despertamos para o filme.
.
A maestria de um dos melhores diretores da atualidade é revelada no melhor filme do ano, na gélida maneira de ser dominante ao colocar sua face por trás das câmeras, mas ao mesmo tempo permitir ser identificado a cada quadro. O domínio da cena, a harmonia com os atores em atuações viscerais que entendem perfeitamente o que as mãos que os conduzem como marionetes querem que seja feito. O resultado é o ápice da característica tão marcante de seu diretor: a arte da manipulação. Lançou a aparência da demonstração do amor e com o objeto de repousar a cabeça nos sufocou até a ultima oportunidade de vida.  Haneke continua um autêntico canalha.


ロロロロロ

Powered by Blogger