Um Filme Antigo...


Louca Obsessão (1990)



Para não ir muito longe, em “O Nevoeiro” o verdadeiro monstro chama-se Márcia Gay Hardem. Em “Janela secreta” a atormentação está na carne de John Turturro. Já há quase duas décadas atrás o martírio em pessoa estava à responsabilidade de uma Kathy Bates. Como toda narrativa de King, há um personagem de caráter extremamente imprudente - mesmo que essa figura às vezes seja um mero quarto de hotel -, necessita-se de uma atuação que realmente incorpore a aura ambígua de suas personalidades e é claro que Bates teve capacidade para ir além.

Os méritos da alta qualidade dessa adaptação não ficam apenas pela vencedora do Oscar de 1991, pois Rob Reiner além de ser competente na direção de seus “bonecos” e de usar a opção da câmera alternativa mostrando o ambiente por fora do quarto, para não deixar que o espectador se canse pelo começo do filme passar-se em apenas um lugar, ainda possui convenções que, por vezes, lembra a fotografia de Hitchcock em “Festim Diabólico”, principalmente se observarmos as posições dos personagens centralizados nos cenários teatrais ou a trilha sonora tão forte como a de “Psicose” ou clássica como a de “Janela Indiscreta”, onde podemos destacar a antologia da música usada na cena da marreta (que, para quem não sabe, é diferente do livro, onde é usado outro objeto).

Todavia, Reiner é obrigado a ampliar o espaço de utilização para seus personagens, deixando a tensão fluir ainda mais quando a defesa física e mental de Paul começa a fazer parte da história (principalmente na primeira vez em que ele deixa o quarto). James Cann tem como merecimento por desenvolver-se bem em todas as funções limitadas de sua figura e também por não deixar-se apagar diante de Kathy Bates, que em apenas um olhar vê-se um amontoado de sentimentos, seja para o “bem” ou para o mal. Além de chegar ao ápice pela exigência física do roteiro junto com as falas enérgicas e ligeiras do mesmo e a sua loucura inerente. Típica de King.

Mais uma demonstração de que, quando adaptações kingnianas são estreladas, resultam em obras marcantes. Pode não ser um filme antigo, mas possui uma aura totalmente antiquada e assim clássica.


(Filme Ótimo)


O Poema de Scorsese

Às vezes é mais fácil compreender um poema através da pintura de outrem. Às vezes é mais fácil compreender uma canção através da poesia. Às vezes é mais fácil compreender um cinema através da literatura. Em suma, quando arte absorve arte tudo é um universo que responde por si só. Se no parnasianismo encontramos a busca pela palavra certeira para um poema, como ouro sendo talhado até atingir a forma perfeita, no cinema encontramos essa busca que vem de Scorsese e se chama “Ilha do Medo”. Se o poema como objeto e estrutura pode torna-se poesia, nesse cinema a câmera poetiza.

A Literatura vai nos dizer que poeta não tem estilo, pois age conforme o tempo ao qual vive e se inspira. Martin Scorsese pode não seguir tendências, mas tem a capacidade de fazer uma e ser a tendência, pois faz no momento certo. Momento este em que o cinema precisava ter um deslumbre visual feito através da câmera e não do computador. Ocasião esta em que necessitávamos que um aspecto artificial se tornasse natural para o espectador. Precisávamos lembrar o quão bom o suspense antiquado foi e o quanto ele ainda pode nos atribuir. E assim vou me perdendo nas referências de Scorsese, pois mesmo que apenas “O Iluminado” me basta, o diretor vai tão além das épocas da sua própria existência, que até nossos minimalismos diminuem a obra que viaja no tempo e nos continentes.

Listar tamanhas citações é praticamente impossível. Nessa Ilha vi seu “Vivendo nos limites” (1999), me locomovi a década de 40 com “A Marca da Pantera” ( 1942) e “A Morta-viva”(1943), ambas de Jacques Tourneur. Sei também que as referências a Hitchcock não param apenas em “Um Corpo que cai”, mas também a classe de "Spellbound – Quando fala o coração” (1945) ou ainda que os personagens lembrem “Na Cova das Serpentes”( 1948) ou que o protagonista carregue dentro de si um pouco de detetive John Ferguson ( Um Corpo que Cai, 1958), "Jack" Torrance (O Iluminado, 1980) e Frank Pierce (Vivendo no limite, 1999) e ainda que o tenebroso Hospital psiquiátrico lembre " Shock Corridor” (1963) e até mesmo a prisão de “A Espera de um milagre” ( 1999) a sensação que temos é que vimos algo impar, pois Scorsese não copia. Vemos uma nova inspiração, como a de um poeta.


E nesses retornos a décadas de 40 e 50, até referencias ao cinema asiático contemporâneo, tudo acaba sendo um palco sobre quanto Scorsese pode armar uma peça tecida a partir do conhecimento de sua vida como um observador de filmes. Percebe-se que é uma história que realmente necessita de camadas visuais. E isso acaba sendo um dos motivos, de juntarem-se temas e sentimentos, mas sempre ser distinta, pois vemos de uma maneira impar. É um thriller, uma história de crime e tortura psicológica que vira uma parábola. Mas no final das contas, "Ilha do medo" é o equivalente a um mundo de ingredientes apropriados para dar um novo significado através da sua combinação e justaposição. Seu processo é mais importante do que a sua história, sua estrutura mais importante do que o enredo, como nos poemas.


A equipe técnica do longa é de um talento estrondoso. Se já sabem trabalhar para chegar à perfeição com facilidade, imagine quando a direção já facilita a exposição do figurino, os desenhos do roteiro, à fotografia, a trilha sonora que desde o primeiro minuto do filme já demonstra uma harmonia esplêndida com a fotografia e uma linguagem que já indica que mesmo que não estejamos muito certo do porque a atmosfera estar carregada de histeria, sentimos que não é seguro estar ali.

E isso se confirma conforme vamos sendo apresentados a esse elenco, fortalecido por Mark Ruffalo (Embora particularmente não me agrade, mas atua conforme o papel pede: ocultamente), Ben Kingsley (Dr. John Crawley) , Emily Mortimer (Como Rachel Solando e já é minha torcida para melhor atriz coadjuvante com a melhor atuação do filme), Michelle Williams (Dolores Chanal), Max Von Sydow (Como Dr. Jeremiah Naehring e símbolo de uma nostalgia presente aqui) Patricia Clarkson (Linda!) e Jackie Earle Haley. E, mesmo que ainda tenha cara de menino crescido, Leonardo Dicaprio dá conta de um papel que somente quem tem um monstro dentro de si consegue passar o que deve ser passado.

Não somente pelo fato de ter demônios dentro de si, mas o protagonista precisa ter um talento incontestável, pois a câmera vê tudo através da figura principal. Se não estamos vendo o personagem, sinal que estamos deixando de ser espectadores. É seu olhar que determina toda a encenação, pois seus flashbacks são um exercício de estilo a parte feita pelo diretor que atingem ápices eficazes em que cada tomada justifica a loucura do personagem. Entretanto, não somente por causa de Teddy Daniels que vemos que o surrealismo está tomando conta da história, mas sim por toda a aura que permeia em Shutter Island”. Seu tom cada vez mais surreal que prevê um final com um pouco de obviedade. Mas, vimos que há muita intriga no caminho desse passeio estimulante.

Por fim, mesmo que inúmeros poemas falem de amor, mesmo que já estivéssemos visto todas as rimas, mesmo que tivéssemos sentido todas as emoções, sempre virá uma outra, mas nunca igual. Então, mesmo que os fãs do gênero tenham visto muita coisa, aqui nos sentimos como voltar para casa. Mesmo que o gênero exista há muito tempo, aqui há um renovado sentimento de horror com o poder do mal. Mesmo quando está claro que Scorsese permitiu que muita coisa fosse óbvia, é feito com elegância e beleza. Mesmo que muitas coisas se assemelhem a esse filme. Mesmo que Scorcese reinvente aquilo que já foi construído, nenhum filme é igual a este.


(Filme Excelente)






































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